Família Tradicional
"do as I do and scrap your fey ways"
(dial-A-cliché)
"grow up, be a man, and close your mealy-mouth!"
(dial-A-cliché)
Dial-A-cliché
Dial-A-cliché
Morrissey
Através do Blasfémias, cheguei a este post no mais insuspeito dos locais: o Causa Liberal.
Chamou-me logo a atenção o título tablóide: "UM HOMOSSEXUAL CONDENA OS "DIREITOS HOMOSSEXUAIS", como se o facto de ser homossexual desse ao autor ou às suas ideias qualquer espécie de relevância adicional ou, pior ainda, uma espécie de voz representativa de classe. Não dá e a sexualidade do próprio não só é irrelevante como o facto de ser tornada título é contraditório com o que é defendido. Mas adiante.
A premissa de base até me parece bem. Mas só parece. Cito:
"(...)Numa sociedade livre não existem direitos homossexuais, apenas direitos individuais. Tanto para homossexuais quanto para heterossexuais, estes direitos se fundem num único princípio: o direito de ser deixado em paz. Politicamente, o movimento pelos direitos dos homossexuais deve voltar às suas raízes libertárias. Isto iniciaria o imprescindível processo de despolitização da homossexualidade e evitaria uma perigosa guerra cultural que a minoria homossexual jamais poderá vencer."
A primeira frase é perfeita. Já disse aqui que acredito que não são necessárias mais leis, mas menos. A lei fundamental já garante a igualdade. Basta, por isso, abolir as leis que não a respeitam, como é o caso da lei do casamento.
Mas a segunda parte desta citação, a eventual "guerra cultural" perdida à partida e reforçada várias vezes no artigo numa lógica beligerante demente é um dos maiores absurdos dos últimos tempos. Em primeiro lugar, presume que existem duas culturas: a hetero e a homossexual. Tendo em conta que os homossexuais nascem dentro da cultura heterossexual, que têm pais e mães, não se percebe muito bem porque raio lhes fariam uma guerra nem como conseguiriam criar uma cultura à parte e parricida. Em segundo lugar, presume que os homossexuais se identificam todos numa determinada cultura e que o mesmo é verdade para os heterossexuais. Para quem parece defender a individualidade, o colectivismo socialista não lhe fica nada bem. Finalmente, é patética pelo tom de ameaça: "Não se metam nisso que vão perder".
A embrulhada piora:
Mesmo a "neutralidade" estatal que homossexuais "de centro" como Andrew Sullivan advogam forçaria o governo a tratar a homossexualidade como algo equivalente à heterossexualidade, como se vê nas demandas de Sullivan em prol de um pseudo-"casamento" homossexual e da admissão de gays assumidos nas forças militares. A verdadeira neutralidade, contudo, exigiria não uma aceitação, mas indiferença, desatenção, inação. Um estado neutro não penalizaria nem recompensaria a conduta homossexual.(...) "
É precisamente isso que se pede ao Estado: que se esqueça de pôr nas leis do casamento entre quem é que eles podem ser celebrados. Mais nada. Mas a razão para a baralhação entende-se logo a seguir: trata-se de um defensor da "família tradicional" e dos argumentos biológicos. Decida-se: ou bem a biologia é responsável pelas duas coisas (nota: ler Corydon de André Gide), ou há uma construção social da sexualidade, ou as duas. Quanto à família tradicional, há séculos que estamos conversados e que sabemos que isso não existe, mas de qualquer forma um LIBERAL, que defende a INDIVIDUALIDADE vir com a conversa da família tradicional é mau de mais.
Mas se dúvidas ainda houvesse de que não estamos perante um texto de um liberal, mas sim de um conservador que cheira a mofo, elas ficam rapidamente esclarecidas:
"Entretanto, nenhum grupo religioso de peso jamais clamou por medidas legais contra os homossexuais. A Coalização Cristã, o Eagle Forum e outros grupos ativistas conservadores somente se envolveram em atividades políticas supostamente "anti-homossexuais" defensivamente, trabalhando pela rejeição de leis garantidoras de "direitos gays" que atacavam as crenças mais preciosas daqueles grupos. "
Nenhum grupo clamou por quê? Que raio foram os referendos a negar o reconhecimento de casamentos gay? As leis não são garantidoras de nada, eliminam uma discriminação. O Massachussets não disse que os gays tinham direito a casar, disse que o Estado não se devia meter e que a Constituição garantia esse direito ao garantir a igualdade dos indivíduos perante a lei. Não foi passada nenhuma lei específica (nem devia ter sido).
Para alguém que começa por defender que só devem existir direitos individuais, terminar a defender que se devem restringir direitos não a indivíduos mas a grupos, não está nada mal. Está péssimo e nunca deveria ser dado como exemplo de liberalismo porque não o é.