"Quid Rides? De te fabula narratur." Horácio.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Outras canções IV


HTML Dog

Soneto de véspera
Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrimas terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou - fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

Vinicius de Moraes (1939)

quarta-feira, novembro 29, 2006

Outras canções III


Vinicius

Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes, 1939 (Estoril)

terça-feira, novembro 28, 2006

Outras canções II


Vinicius

Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes, 1938

I'm so vain*


Red Army

When I left my home and my family
my mother said to me
Son, it's not how many Germans you kill that counts
It's how many people you set free!
So I packed my bags
brushed my cap
Walked out into the world
seventeen years old
Never kissed a girl
Took the train to Voronezh
that was as far as it would go
Changed my sacks for a uniform
bit my lip against the snow
I prayed for mother Russia
in the summer of '43
And as we drove the Germans back
I really believed
That God was listening to me
We howled into Berlin
tore the smoking buildings down
Raised the red flag high
burnt the reichstag brown
I saw my first American
and he looked a lot like me
He had the same kinda farmer's face
said he'd come from some place called Hazzard, Tennessee
Then the war was over
my discharge papers came
Me and twenty hundred others
went to Stettiner for the train
Kiev! said the commissar
from there your own way home
But I never got to Kiev
we never came by home
Train went north to the Taiga
we were stripped and marched in file
Up the great siberian road
for miles and miles and miles and miles
Dressed in stripes and tatters
in a gulag left to die
All because Comrade Stalin was scared that
we'd become too westernized!
Used to love my country
used to be so young
Used to believe that life was
the best song ever sung
I would have died for my country
in 1945
But now only one thing remains
but now only one thing remains
But now only one thing remains
but now only one thing remains
The brute will to survive!

Red Army Blues, The WaterBoys na Vanity Jukebox

P.S. E a que propósito vem isto? A propósito disto, deste cretino, deste asno, desta besta que está a lançar o país em guerra civil, deste energúmeno que vai pelo mesmo caminho, deste fóssil que ressuscitou e do outro que nunca mais morre. O Red Army anda por aí, mas já sabemos acabam todos no gulag.

* I probably think you'll still remember this

segunda-feira, novembro 27, 2006

Neither shaken, nor stirred


Mesa

Já começa a ser difícil provar que não sou mesmo malcriadão, só distraído, dada a recorrência dos meus atrasos blogosféricos. Ele é aniversários não celebrados; felicitações que ficam sem o devido agradecimento em tempo civilizado; mudanças de url que não se actualizam nos links... Enfim...
A última vítima - que eu tenha dado conta - foi o Luís que, simpaticamente, citou este blogue. Já não há mais nada a dizer, excepto que, três meses depois, a mesa está pronta para tomarmos um Martini (on me). Mas um dos verdadeiros, nada das americanices com azeitonas.
O meu é o de sempre: bianco, por favor, com o respectivo limão, e para o cavalheiro?

Outras canções

Vinicius

No meio de muito trabalho, uma viagem a Portugal e um gripe daquelas para aprender a não andar a saltar entre hemisférios, então, o Quid esteve em "istandji-bai", mas volta em grande estilo com sonetos de Vinicius de Moraes. Nada de esquiringuindum esta semana, só outras canções.

Soneto do maior amor
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Vinicius de Moraes, 1938

quinta-feira, novembro 02, 2006

Esquiringuindum - Crónicas do Brasil VI


Porto Velho

Nunca ninguém ouviu falar de Cuiabá - excepto vocês que são cultíssimos. Fiquem pois a saber - os não cultíssimos, não vocês - que é a capital do Estado do Mato Grosso, que tem a reputação de ser um caldeirão com as águas do rio homónimo a humedecer um calor insuportável. Tudo absolutamente verdade. É um buraco - em todos os sentidos - plantado ao lado do Pantanal. Isto sendo o Brasil, trata-se de um buraco com um milhão de habitantes.
Pontos a reter:
Chove torrencialmente no Verão, pelo que o Inverno é ainda mais desagradável porque nem sequer há a chuva para refrescar.
O peixe é maravilhoso.
As paisagens são absurdas.
O monumento mais famoso da cidade é o marco que assinala o centro
geodésico da América do Sul que, por sinal fica, na realidade, bem fora da cidade.
*
Escala em Brasília, Domingo às 19:00. O analfabeto foi reeleito pelos analfabetos, nada de novo. As mulheres votaram no Alckmin. Obviamente, porque são elas que trabalham. E também foram eleitas, pela primeira vez, Governadoras em 3 Estados. Há esperança.
Do ar, vi as favelas. Em Brasília estão todas organizadas em quadrados perfeitamente delimitados por estradas - de terra batida. Nota-se que o Niemeyer passou por aqui.
No solo, a classe política palita os dentes na fila e cospe os restos para o chão da sala de embarque, embarque esse que ninguém sabe quando vai acontecer porque os controladores aéreos - que não estão em greve - não estão a trabalhar. O Lula já lhes prometeu um aumento - que eles não pediram porque nem sequer estão em greve, só não estão a trabalhar.
*
Nunca ninguém ouviu falar de Porto Velho - excepto vocês que são cultíssimos. Fiquem pois a saber - os não cultíssimos, não vocês - que é a capital do Estado da Rondónia, que tem a reputação de ser um caldeirão com as águas do rio Madeira a humedecer um calor insuportável. Tudo absolutamente verdade. É um buraco - em todos os sentidos - plantado no meio da Amazónia. Isto sendo o Brasil, trata-se de um buraco com um 300 mil habitantes.
Pontos a reter:
Chove torrencialmente no Verão, pelo que o Inverno é ainda mais desagradável porque nem sequer há a chuva para refrescar.
O peixe é maravilhoso.
As paisagens são absurdas.
O monumento mais famoso e símbolo da cidade é isso que vêem na foto.
O rio - nas palavras de um local - tem "os bichos todos a que tem direito". Às vezes, o rio inunda e há visitas inesperadas nas casas ribeirinhas.
Os taxistas têm dvds no tablier do lado do pendura a tocar forró.
Gino e Geno vêm cá dar um concerto ao vivo. O taxista não vai faltar.
*
Meu Deus! Fiquei contente por voltar a São Paulo.
*
O Lula diz que vai fazer um Brasil maior. Eu acho que o Brasil já é grande de mais para os políticos que tem. Só se quiserem anexar o Uruguai e a Bolívia para os restantes Estados ficarem bem nas estatísticas.
*
Vou à procura do Brasil do sol e mar no Espírito Santo. Já cá volto. Se os controladores que continuam sem trabalhar - embora não estejam em greve - me deixarem.