"Suplícyo"
Carta Aberta à Sra. Ministra do Turismo
Exma. Sra.,
Tendo-me deslocado a São Paulo em trabalho resolvi, no fim-de-semana passado, seguir o conselho de V.Exa e, ignorando a venenosa imprensa para cujos nefastos hábitos de desqualificar o turismo nacional o Sr. Presidente nos alertou, viajar de São Paulo para Florianópolis para desfrutar das inúmeras belezas naturais que o país de V.Exa. oferece.
Devo confessar que o início da viagem, ao longo da Marginal do Tietê, me desanimou um pouco, mas mesmo tossindo, de olhos carregados de lágrimas, lenço no nariz e com o taxista a falar de uma tal "cidade limpa" que confesso não encontrar, persisti no suplício (perdoe o trocadilho) por mais algumas horas.
Chegado ao aeroporto de Cumbica pensei ter sido levado para um desse mercados que não existem para o fisco nem para a polícia, mas onde metade da cidade faz compras. Estava equivocado e, na realidade, as inteligentíssimas linhas aéreas em que ia voar tinham mesmo umas banquinhas nessa feira (eles usam o termo inglês check-in). Numa das bancas dizia, em bom português - coisa raríssima - tratar-se do balcão para os passageiros que viajam sem bagagem, pelo que me dirigi para a fila de cinquenta pessoas e quatrocentas malas que se formava diante de cerca de 30 geniais funcionários dos quais um - posso atestá-lo - estava efectivamente a olhar para o computador. Tratando-se de linhas aéreas de Q.I. elevado, surgiu imediatamente uma funcionária de PDA em riste que começou a realizar o check-in do final da fila para o início presume-se que numa perspectiva que os últimos são sempre os primeiros. Ou teria realizado - pelo menos de uma pessoa por hora, dado o ritmo alucinante - se o PDA funcionasse. Infelizmente, não era o caso, pelo que tive de aguardar cerca de 45 minutos para chegar junto da iluminada funcionária das brilhantes linhas aéreas que me esclareceu que:
- um balcão sem bagagem serve tanto para o check-in de passageiros com bagagem como sem bagagem;
- que a placa dizia "sem bagagem" porque o balcão era para passageiros sem bagagem;
- que a placa às vezes se enganava;
- que "pois, pois" eu era um "patrício";
- que o o voo sairia eventualmente, embora não soubesse precisar quando;
- e, finalmente, que estava muito honrada com a minha inteligente "escolha" (palavra utilizada abusivamente no que se refere às companhias aéreas no Brasil).
Dirigi-me para o saguão - não sem antes passar por uma fila que saía do edifício do aeroporto constituída por passageiros da outra companhia aérea - a não tão esperta - e foi então que, lembrando-me das palavras de V.Exa., decidi "relaxar" enquanto ouvia anúncios berrados no alta-voz acerca de voos adiados em catadupa, mas por muito que procurasse por uma cadeira livre para me sentar na posição de lótus e reflectir no meu karma, não encontrei nenhuma, sem ser ao lado de um cavalheiro que atirava fumo para cima do sinal de "Proibido Fumar". No entanto, como V.Exa. já terá percebido, sou teimoso e não me deixo derrotar por pouco. Assim sendo, resolvi "desfrutar" da magnífica infraestrutura aeroportuária. Acontece que tenho gostos muito sui generis e meti na cabeça que tinha de beber uma garrafa de água. Sei que se trata de algo praticamente impossível de encontrar em qualquer aeroporto do mundo, mas, ainda assim, tinha esperança. Infelizmente, as minhas expectativas goraram-se e só me restou aguardar de pé até às três da manhã quando as macrocéfalas linhas aéreas fizeram a primeira das habituais dez "últimas chamadas" para embarque. Curiosamente, não realizaram um único pedido de desculpas.
Para realizar um psicotécnico às intelectuais linhas aéreas, troquei de cartão de embarque com a amiga que me acompanhava. E não é que embarcámos os dois? Juro-lhe que não vesti saia nem ela deixou crescer bigode, mas mesmo com 1,90 m de altura e barba por fazer, embarquei como Maria. Talvez seja porque as linhas aéreas de intelecto superior não verificam a identificação dos passageiros. Agora que penso nisso, talvez também seja esse o motivo pelo qual estava um senhor americano sentado no meu lugar no avião que queria ir para Curitiba no voo que ia partir da porta de embarque ao lado. Obviamente, trata-se de uma suposição não fundamentada. Também pode ser que o turista americano não tenha entendido o inglês avançado das cultíssimas linhas aéreas que são as únicas no mundo com "fligth attendants" e "cabin chefs".
Receei que se tivesse passado algo semelhante quando finalmente aterrámos em Florianópolis, mas não. O piloto acertou na rota e aquele barracão tem mesmo o nome pomposo de aeroporto. Devo dizer-lhe que Florianópolis às quatro da manhã deve ser lindo. Estivesse eu acordado no táxi e não tivesse levado cerca de oito horas para realizar a viagem e teria certamente visto esse espectáculo. O regresso foi quase tão mau, mas não vou maçá-la com mais detalhes. Se me permitir só a audácia de um conselho, aqui fica: relaxe e desfrute, vá de férias para o México.
Melhores cumprimentos,
Exma. Sra.,
Tendo-me deslocado a São Paulo em trabalho resolvi, no fim-de-semana passado, seguir o conselho de V.Exa e, ignorando a venenosa imprensa para cujos nefastos hábitos de desqualificar o turismo nacional o Sr. Presidente nos alertou, viajar de São Paulo para Florianópolis para desfrutar das inúmeras belezas naturais que o país de V.Exa. oferece.
Devo confessar que o início da viagem, ao longo da Marginal do Tietê, me desanimou um pouco, mas mesmo tossindo, de olhos carregados de lágrimas, lenço no nariz e com o taxista a falar de uma tal "cidade limpa" que confesso não encontrar, persisti no suplício (perdoe o trocadilho) por mais algumas horas.
Chegado ao aeroporto de Cumbica pensei ter sido levado para um desse mercados que não existem para o fisco nem para a polícia, mas onde metade da cidade faz compras. Estava equivocado e, na realidade, as inteligentíssimas linhas aéreas em que ia voar tinham mesmo umas banquinhas nessa feira (eles usam o termo inglês check-in). Numa das bancas dizia, em bom português - coisa raríssima - tratar-se do balcão para os passageiros que viajam sem bagagem, pelo que me dirigi para a fila de cinquenta pessoas e quatrocentas malas que se formava diante de cerca de 30 geniais funcionários dos quais um - posso atestá-lo - estava efectivamente a olhar para o computador. Tratando-se de linhas aéreas de Q.I. elevado, surgiu imediatamente uma funcionária de PDA em riste que começou a realizar o check-in do final da fila para o início presume-se que numa perspectiva que os últimos são sempre os primeiros. Ou teria realizado - pelo menos de uma pessoa por hora, dado o ritmo alucinante - se o PDA funcionasse. Infelizmente, não era o caso, pelo que tive de aguardar cerca de 45 minutos para chegar junto da iluminada funcionária das brilhantes linhas aéreas que me esclareceu que:
- um balcão sem bagagem serve tanto para o check-in de passageiros com bagagem como sem bagagem;
- que a placa dizia "sem bagagem" porque o balcão era para passageiros sem bagagem;
- que a placa às vezes se enganava;
- que "pois, pois" eu era um "patrício";
- que o o voo sairia eventualmente, embora não soubesse precisar quando;
- e, finalmente, que estava muito honrada com a minha inteligente "escolha" (palavra utilizada abusivamente no que se refere às companhias aéreas no Brasil).
Dirigi-me para o saguão - não sem antes passar por uma fila que saía do edifício do aeroporto constituída por passageiros da outra companhia aérea - a não tão esperta - e foi então que, lembrando-me das palavras de V.Exa., decidi "relaxar" enquanto ouvia anúncios berrados no alta-voz acerca de voos adiados em catadupa, mas por muito que procurasse por uma cadeira livre para me sentar na posição de lótus e reflectir no meu karma, não encontrei nenhuma, sem ser ao lado de um cavalheiro que atirava fumo para cima do sinal de "Proibido Fumar". No entanto, como V.Exa. já terá percebido, sou teimoso e não me deixo derrotar por pouco. Assim sendo, resolvi "desfrutar" da magnífica infraestrutura aeroportuária. Acontece que tenho gostos muito sui generis e meti na cabeça que tinha de beber uma garrafa de água. Sei que se trata de algo praticamente impossível de encontrar em qualquer aeroporto do mundo, mas, ainda assim, tinha esperança. Infelizmente, as minhas expectativas goraram-se e só me restou aguardar de pé até às três da manhã quando as macrocéfalas linhas aéreas fizeram a primeira das habituais dez "últimas chamadas" para embarque. Curiosamente, não realizaram um único pedido de desculpas.
Para realizar um psicotécnico às intelectuais linhas aéreas, troquei de cartão de embarque com a amiga que me acompanhava. E não é que embarcámos os dois? Juro-lhe que não vesti saia nem ela deixou crescer bigode, mas mesmo com 1,90 m de altura e barba por fazer, embarquei como Maria. Talvez seja porque as linhas aéreas de intelecto superior não verificam a identificação dos passageiros. Agora que penso nisso, talvez também seja esse o motivo pelo qual estava um senhor americano sentado no meu lugar no avião que queria ir para Curitiba no voo que ia partir da porta de embarque ao lado. Obviamente, trata-se de uma suposição não fundamentada. Também pode ser que o turista americano não tenha entendido o inglês avançado das cultíssimas linhas aéreas que são as únicas no mundo com "fligth attendants" e "cabin chefs".
Receei que se tivesse passado algo semelhante quando finalmente aterrámos em Florianópolis, mas não. O piloto acertou na rota e aquele barracão tem mesmo o nome pomposo de aeroporto. Devo dizer-lhe que Florianópolis às quatro da manhã deve ser lindo. Estivesse eu acordado no táxi e não tivesse levado cerca de oito horas para realizar a viagem e teria certamente visto esse espectáculo. O regresso foi quase tão mau, mas não vou maçá-la com mais detalhes. Se me permitir só a audácia de um conselho, aqui fica: relaxe e desfrute, vá de férias para o México.
Melhores cumprimentos,