"Quid Rides? De te fabula narratur." Horácio.

domingo, janeiro 29, 2006

País de Poetas V


Sá-Carneiro

Tínhamos chegado. Ricardo empurrou a porta brutalmente…
Em pé, ao fundo da casa, diante de uma janela, Marta folheava um livro…
A desventurada mal teve tempo para se voltar… Ricardo puxou de um revólver que trazia escondido no bolso do casaco e, antes que eu pudesse esboçar um gesto, fazer um movimento, desfechou-lho à queima-roupa…
Marta tombou inanimada no solo… Eu não arredara pé do limiar…
E então foi o mistério… o fantástico mistério da minha vida…
Ó assombro! ó quebranto! Quem jazia estiraçado junto da janela, não era Marta - não! -, era o meu amigo, era Ricardo… E aos meus pés - sim, aos meus pés! - caíra o seu revólver ainda fumegante!…
Marta, essa desaparecera, evolara-se em silêncio, como se extingue uma chama…
Aterrado, soltei um grande grito - um grito estridente, despedaçador - e, possesso de medo, de olhos fora das órbitas e cabelos erguidos, precipitei-me numa carreira louca… por entre corredores e salões… por escadarias…
Mas os criados acudiram.

A Confissão de Lúcio, Mário de Sá-Carneiro