Esquiringuindum - Crónicas do Brasil II
A capacidade de adaptação humana é enorme: é essa a única explicação para alguém viver em São Paulo e, naturalmente, para eu ficar em SP um fim-de-semana. Não pensem que encarei esta estada como um prazer, foi mais como uma fatalidade trágica com a qual há que aprender a viver, pelo menos nos próximos meses. Parti, assim, numa quimera à procura do que de menos mau possa existir na cidade para tentar justificar a mim próprio que se trata de uma escolha racional não correr imediatamente para Guarulhos. Para que conste, para a grande "capital cultural" que se vende, a oferta é escassíssima e não me interessa se os guias turísticos dizem o contrário. Espero ansiosamente a bienal para retirar letra por letra esta afirmação. Por agora, comecei o fim-de-semana com uma visita ao recém-inaugurado Museu da Língua Portuguesa localizado na lindíssima - e recuperada - Estação da Luz. Iniciei a visita assistindo a um filme que me venderam como tratando a História da Língua. De facto, começa no surgimento da linguagem, refere o indo-europeu e o latim, mas depois dá um salto para 1500 - referindo à pressa esse facto irrelevante dos portugueses - para referir as influências do tupi na língua-pátria. Na Praça da Língua, fui recebido por Sophia de Mello Breyner Andresen que no "Poema de Helena Lanari" esclarece, logo à partida, que "Gosto de ouvir o português do Brasil/Onde as palavras recuperam sua substância total". Está dado o mote: a partir daí não mais se ouve outro sotaque que não seja o da substância total, mesmo quando se ouvem textos dos felizes galardoados com uma presença - embora insubtanciais - Camões e Pessoa. Na Grande Galeria, passa-se o mesmo, a língua é vista unicamente como parte integrante da nação brasileira num reducionismo provinciano que empobrece o museu, pese a seca dedicada à herança lusa com arqueólogos e historiadores. Nem a abertura dada pela descoberta na área das "Palavras Cruzadas" de que "moleque" vem do Quimbundo abriu os horizontes dos criadores do museu a ouvir e ler outro(s) português(es).
Deprimido, situação a que não será alheia o facto do Museu se encontrar na abandonada e decrépita zona central da cidade, onde se espera a qualquer momento o colapso dos edifícios, fui para o teatro. Obviamente, não tinha reservas e acabei numa comédia indiferente da qual só retive o facto do protagonista corrigir a namorada garçonette quando ela diz "filma eu". Francamente, é um erro tão comum por cá que eu já começava a pensar que, além de substância, havia por aqui regras bizarras para o uso dos pronomes.
No Domingo, mantive-me firme na minha determinação e parti cedinho para a Pinacoteca do Estado onde, para além do acervo de obras de artistas brasileiros dos séculos XIX e XX, havia várias outras exposições promissoras. A melhor é de longe a de fotografia de Klaus Mitteldorf, um fotógrafo paulista que desconhecia. "Introvisão" convenceu-me ao ponto de ir à loja da Pinacoteca tentar comprar o catálogo da exposição. Obviamente, não havia. Havia, isso sim, uma edição do trabalho do autor que me deixou neurótico: quem raio publica uma monografia com as fotos cortadas ao meio entre duas páginas? Para aprender, blogo uma foto dele.
Para terminar, e seduzido pela descrição - "Vista do alto, São Paulo é um labirinto sem buzinas, sem correria, sem caos e cheio de encantamento." - fui para a Galeria Paulista da Caixa ver a exposição "Você está aqui!" onde imagens aéreas registadas a partir de um dirigível são acompanhadas de poemas. De facto, São Paulo tem encanto... visto do céu e esta semana uma parte do "Você está aqui!" vai estar no Quid.
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