Celulóide
Já aqui tinha escrito sobre o livro e sobre a angústia da leitura antes do filme. Neste caso, era totalmente injustificada. A adaptação de Ang Lee do conto de Annie Proulx é absolutamente soberba no respeito pelos ambientes e imagética do conto, mas também em tudo o que acrescenta.
O filme - Brokeback Mountain - tem criado um buzz enorme muito provavelmente pelas razões erradas. Esta semana num programa matinal para donas-de-casa, a apresentadora perguntava "Is America ready for gay cowboys?". Se é certo que pegar na maior figura da virilidade norte-americana para contar uma história de amor entre dois homens é, no mínimo, atrevido e que há uma cena de sexo muito comentada entre Heath Ledger e Jake Gyllenhaal - contra quatro ou cinco cenas com as respectivas mulheres - tudo isso não passam de detalhes.
Brokeback Mountain é, mais do que nada, uma tragédia. É a tragédia da ignorância e do isolamento - ninguém pode ficar indiferente à falta de alternativas das personagens para seguirem o seu amor na mesma América dos hippies e do amor livre. É a tragédia das mulheres que casam com homens que nunca as poderão amar, brilhantemente representada por Michelle Williams. É a tragédia da solidão e de uma vida desperdiçada por receio de a viver. E é a história de um amor trágico que, como em todas as grandes histórias de amor, sofre com as barreiras externas - uma sociedade que mata à paulada os homossexuais - mas também com as que as próprias personagens criam, sobretudo no caso de Ennis (Heath Ledger).
Trata-se de um filme perturbador porque, ao contrário do que sucede noutras histórias de amor em que há uma inevitabilidade - normalmente externa - que o condena, neste caso assistimos -impotentes - à sua negação deliberada por motivos que nos parecem fúteis e ficamos à espera de uma qualquer viragem que permita um final feliz que sabemos que não vai chegar.
Esta sensação de uma tragédia evitável cria uma tensão emocional que é sublinhada por uma quase ausência de diálogos que dá a cada frase proferida uma importância desmedida e a cada gesto um valor quase verbal e que é a base da beleza do filme. A fotografia brilhante - facilitada pelas paisagens majestosas do Wyoming - e a banda sonora discreta o suficiente para reforçar a narrativa sem se sobrepor a ela são os suportes que a reforçam.
Acima de tudo, não se trata de um filme político. Há certamente um subtexto político - não há sempre? - mas se se trata de um filme gay - o que quer que isso seja - ou de um filme com cowboys é irrelevante, Brokeback Mountain é um grande filme sobre a asfixia de um amor .
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