"Quid Rides? De te fabula narratur." Horácio.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Esquiringuidum - Crónicas do Brasil X


Torres
Descubra o farol
Dia I:
Fresquinho - a chuva que caía ajudou bastante - e esperançado, saí à descoberta de Porto Alegre começando pelo Centro, onde me dizia a menina do Turismo haver muita coisa de interesse cultural. Não me enganou. Quem estiver interessado em fazer um mestrado em barbárie urbanística com especialização em selvajaria arquitectónica deve visitar o centro de Porto Alegre. Se quiser entreter as crianças - e elas forem do género que não desiste com facilidade - pode sempre jogar ao "descobre dois prédios da mesma altura". Os edifícios de interesse (Palácio Piratini ou Catedral Metropolitana, entre outros) estão totalmente asfixiados no meio do lixo que os rodeia. O melhor exemplo é o Viaduto Otávio Rocha em cima do qual algum iluminado autorizou a construção de uma torre indescritivelmente feia. É um caos tal de cimento sujo que dá vontade de aplaudir os arquitectos da Câmara da Amadora pelo bom trabalho na Brandoa. Ultrapassa-me por que razão no Brasil decidiram que o centro das cidades é para apodrecer lentamente enquanto constroem cada vez mais bairros na periferia, mas tem de se lhes reconhecer capacidade de desaproveitar localizações idílicas. Poucas cidades têm uma localização tão privilegiada como Porto Alegre e pouco mais poderia ter sido feito para a ignorar.
Horrorizado, fugi da cidade em direcção à serra gaúcha e às meninas dos olhos: Gramado e Canela. Sim, são limpas - um plus no Brasil. Sim, parecem alemãs, mas alemãs em Las Vegas. Tão bonitas como o castelo da EuroDisney e tão falsas também. A serra é lindíssima e vale bem a visita pelas estradas ladeadas de plátanos e pinheiros e pelas pequenas povoações serranas.
Dia II:
Mal recuperado da experiência do dia anterior, voltei a fugir de Porto Alegre, desta vez em direcção à costa para ir conhecer as praias gaúchas. Mais uma vez, a paisagem é fabulosa: planícies gigantescas estendem-se até à costa cortadas por inúmeros lagos e ladeadas pela serra. A primeira paragem - das mais rápidas que já fiz na vida - foi em Tramandaí, Tramerdaí ou Quarteira-é-linda, como preferirem. Dez minutos depois já estava a caminho de Torres - a estrela da costa - passando por várias praias lindíssimas que vão caindo uma a uma nas mãos de condomínios fechados que só não constroem em cima da areia porque as casas não aguentavam tempo suficiente para serem vendidas. Torres é mais um exemplo do desprezo local pelo património. Além da localidade ter sido destruída por torres - perdoem o trocadilho - ainda se lembram de arrasar o farol local - ponto turístico principal - colocando ao lado várias antenas e uma torre de telefone da Brasil Telecom com o dobro da altura.
Dia III:
Teimoso, peguei no Guia Quatro Rodas e parti à descoberta da faixa de terra entre a Lagoa dos Patos e o Atlântico. Encontrei quilómetros de dunas, pequenas lagoas e terrenos agrícolas, bem como praias lindíssimas. Depois do Parque Nacional da Lagoa do Peixe voltei reconciliado com o Rio Grande do Sul.
Dia IV:
O mais frustrante nas cidades brasileiras é a total esquizofrenia urbana. Quem passear no bairro dos Moinhos de Vento dificilmente acreditará estar em Porto Alegre. Mas mesmo na "Calçada da Fama", como chamam à rua que concentra cafés e restaurantes simpáticos, falta a infra-estrutura básica: quem decidiu que a iluminação das ruas à noite era opcional? É certo que as cidades brasileiras são seguras, mas ainda assim.
Em suma, por enquanto mantém-se o mote: We'll always have Floripa.

PS: Passear no Rio Grande do Sul sai caro porque o falido governo local cobra portagens em todas as estradas por mais esburacadas que estejam. E não cobra barato: por oitenta e poucos quilómetros de má estrada com uma faixa em cada sentido
entre Viamão e Pinhal - concessionada (?!) a uma empresa que se deve limitar à cobrança das portagens - pagam-se mais de cinco reais (cerca de dois euros). Para ir a Gramado ou Canela em "rodovias" com semáforos a meio, avisos de "pedestres" e carroças pagam-se oito reais e ainda somos obrigados a abrandar para sessenta cada vez que passamos por um posto da polícia. Presumo que seja uma espécie de vénia às autoridades.