"Quid Rides? De te fabula narratur." Horácio.

terça-feira, janeiro 25, 2005

As Quatro Estações

Violino


Primavera/Verão

Na música, como noutras artes, tem de haver paixão. Assumo que sou um romântico e acredito na figura do artista, mas só até certo ponto. Além da paixão, é preciso profissionalismo, esforço e dedicação. E, como em tudo, são necessárias ideias e iniciativa.
Vem isto a propósito de um concerto que fui ver numa igreja de Praga. Três violinos, um violoncelo, uma igreja aquecida (indispensável...) e um programa com uma série de clássicos dos mais famosos (Vivaldi, Schubert, etc.)
Em Praga, o embaraço é apenas o da escolha: quer o seu Vivaldi na igreja ou no castelo? Ópera com gente ou com marionetas? Musical ou drama?
Por 500 coroas (cerca de 15 euros), lá fui para a igreja ouvir o Vivaldi e não consegui deixar de pensar em como é que se fazem estas coisas. Um grupo de colegas de uma orquestra, talvez, ou do conservatório - estes chamavam-se Solisti di Praga - organiza-se e decide tocar durante uma hora e pouco. Vendem uns bilhetes, enchem a igreja, ainda vendem um CDs à saída e vão para casa - pelas minhas contas de cabeça -com 2500 euros brutos aos quais terão de deduzir os custos da igreja etc. Depois de muita matemática (fins de semana versus dias de semana, época alta e baixa, etc) cheguei à conclusão que cada um deles tirará cerca de 150 euros por concerto. Com três concertos por semana, soma 450 e 1800 euros por mês, muito acima do salário médio checo ou português.
Ah, e ainda ouvi Vivaldi no meio das contas.
Outono/Inverno

Em Portugal nada disto se passa. Os "artistas" são uns presunçosos que por um suposto amor à arte se recusam a divulgá-la ou a vendê-la excepto se for o Estado a subsidiar a venda e de preferência a fornecer o local. Preferem ir para o Mahjong queixar-se da vida e da incompreensão dos fariseus que têm como compatriotas ou chorar-se na televisão: que é difícil ser artista em Portugal, que não há "apoios", que não há público, etc.
É por isso que só temos ópera no São Carlos e que para ouvir música clássica é preciso pagar uma fortuna e, ainda assim, lutar por um lugar no CCB quando uma orquestra estrangeira visita Lisboa por dois dias.
Por incrível que pareça, após anos de comunismo, os checos perceberam bem mais rápido as leis do mercado.