Anjos PC
"Harper: In my church we don't believe in homosexuals.
Prior: In my church we don't believe in Mormons."
Sim, a culpa é minha. Mas dado o estado actual da TV não se pode culpar alguém por ter perdido uma série quando para a ver tem de suportar quintas, novelas e telejornais de duas horas. De qualquer forma, redimi-me e mandei vir o Angels in America em DVD. Foi muito boa ideia porque a série (mini-série ou maxi-filme, como preferirem) merece ser vista.
Presumo que bastante se terá dito sobre a série quando "a 2" a passou, mas francamente não li e a razão que me leva a escrever este post é a irritação que o final me causou, mas já lá vamos.
Em traços largos, o subtítulo da peça original de Tony Kushner em que a série se baseia diz bastante, se não tudo: "a gay fantasia on National themes". Na realidade, tratam-se de duas peças: numa primeira, passada nos anos da Administração Reagan, aproxima-se o apocalipse (através não só da SIDA entre os gays, mas também da impossível convivência entre as várias "comunidades" religiosas e políticas - "History is about to crack wide open. Millenium approaches") e um anjo anuncia que é preciso parar o mundo e voltar "aos bons velhos tempos" em que Deus ainda não tinha abandonado a Humanidade. Na segunda peça dá-se a "Perestroika" com a sua esperança de futuro e redenção.
As várias personagens compõem as "comunidades" que formam o mosaico americano: há um casal gay composto por um WASP de boas famílias e um judeu ferozmente de esquerda e anti-Reagan, um "afro-americano" "queen" q.b.:
"Belize: Look at that heavy sky out there.
Louis Ironson : Purple.
Belize: Purple? What kind of a homosexual are you anyway? That's not purple, Mary, that color out there... is mauve!"
um advogado Republicano que é a encarnação do mal:
[on why he wanted Ethel Rosenberg to get the death sentence] I would have pulled the switch if they let me. Why? Because I hate traitors. I HATE communists. Was it legal? FUCK legal. Not nice? Fuck nice. The nation says I'm not nice? FUCK THE NATION. Do you wanna be NICE? Or you wanna be EFFECTIVE?"
e um casal de mórmones em que o marido vive no dilema de aceitar a sua homossexualidade (com o que isso implica religiosamente e para o seu casamento) e a mulher bebe doses industriais de comprimidos e refugia-se numa antárctica imaginária para aguentar a farsa do seu casamento.
"Joe Pitt: I think we ought to pray. Ask God for help. Ask Him together.
Harper Pitt: God won't talk to me, I have to make up people to talk to me.
Joe Pitt: you have to keep asking.
Harper Pitt : I forgot the question. oh yeah... god, is my husband a homo?"
Há ainda a mãe mórmon de Salt Lake City que só quer de lá fugir.
Na primeira parte, todas as personagens estão condenadas: o gay WASP está a morrer de SIDA e imagina-se o profeta do fim dos tempos; o namorado judeu recusa-se a ficar com ele e a acompanhá-lo na doença e vive torturado por o ter abandonado no momento mais difícil. O advogado Republicano está a expiar todos os seus pecados e, também ele doente, a verificar que a sua influência de nada vale. O "afro-americano" sofre o racismo e "odeia" a América. A mãe sente que falhou na maternidade e desliga o telefone ao filho quando ele lhe diz que é gay. A mulher foge de vez para a antárctica e a única personagem que parece evoluir é Joe, o advogado mórmon, que diz à mãe e à mulher que é gay e se apaixona - ou pensa que sim - pelo judeu. É impossível não ser esta a personagem com quem mais se simpatiza. Dividido entre uma lealdade ao passado e aos seus valores e aquilo que descobre ser, talvez seja dele o percurso mais doloroso nesta primeira parte e, por isso mesmo, o mais merecedor de uma eventual redenção. Mas é o único que não a obtém.
De facto, na segunda parte, a Perestroika chega a quase todos
Each of these characters is, by the end of the play, healed, comforted, or forgiven: Prior's fever breaks, and we are meant to understand that he'll grow better (in the epilogue, we learn that he's doing fine on AZT); Harper asserts herself, grabs Joe's credit card, and takes a night flight to San Francisco to start a new, emancipated life; Hannah is seen at the end of the play, relaxed, attractively dressed in New Yorker chic, amiably chatting with her new gay pals; Louis has been forgiven, if not taken back, by Prior; and, as we know, even Roy Cohn is absolved by his most famous victim, Ethel Rosenberg.
Foi isto o que me irritou e me levou a escrever. Porquê? Por que razão a redenção chega até aos crápulas, mas não para Joe?
Vingança. Os males do mundo vêm dos homens, brancos, cristãos e saudáveis. Na Perestroika chega a vingança, todos são "felizes" e se encontram menos eles. A série termina com um encontro de todas as personagens, redimidas consigo próprias e umas com as outras, mas o que mais salta à vista é a ausência de Joe. Daquele que é o " protótipo" de quem exclui, passa a excluído. A "Perestroika" é mesquinha?
Além do mais, nada indica que Joe exclua ninguém, principalmente quando se apaixona por um judeu de esquerda e a única coisa que lhe pede é que não discutam política.
A "Perestroika" é politicamente correcta, aberta aos negros, aos judeus, às mulheres e aos doentes, mas fechada aos outros. Mas o mais grave é o que este final revela do politicamente correcto: nem aos "outsiders" - gay neste caso - é garantida a liberdade se não seguirem o padrão PC. Joe não pode aparecer na foto final porque acha que pode ser gay, republicano e religioso e isso é, no mínimo, reaccionário.
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